29 de abril de 2009

Breve defesa das ligaturas

Inspirado pelo artigo «Recursos avançados open-type para fontes digitais» resolvi discorrer sobre meu apreço em relação as ligaturas.

Imagem retirada da Wikipedia

O termo ligatura vem do latim ligatus que quer dizer ligado, grudado. Na tipografia as ligaturas unem duas ou mais letras em um só caractere (visualmente isso não faz diferença, mas em termos de software, ou quando se arranjava um texto com tipos físicos, duas ou três letras equivalem a uma única peça ou glifo).

As ligaturas surgiram na impressão tipográfica para economizar tempo e espaço. Dependendo do desenho das letras, combinações como f e i, acabam se chocando, de forma que o espaço entre as duas letras quebra o ritmo da leitura. No mundo digital esse encontro pode simplesmente causar um incomodo aos olhos (como na imagem abaixo), porém com tipos móveis, se faz necessário um novo glifo, já que duas coisas não ocupam o mesmo lugar no espaço.

A imagem que abre o post é um exemplo de um tipo de metal da ligatura fi da Garamond, um glifo que contém duas letras e resolve o problema de duas letras que não se encaixariam.

Nova espiritualidade de Ed René Kivitz, editado pela Mundo Cristão

Além de melhorar o espaço de alguns encontros entre letras, algumas ligaturas tinham a função de ocupar menos espaço e trazer alternativas ao tipógrafo quando fosse diagramar um livro. Opções com glifos que ocupassem mais ou menos espaço que o glifo original garantiam a justificação do texto, que, na impressão tipográfica, era feito manualmente, utilizando ligaturas e abreviações.

(Não tenho certeza disso, mas no começo da impressão tipográfica o espaço entre palavras era fixo, diferente do sistema de justificação dos softwares, em que esse espaço é variável. Então para manter a justificação se utilizava a variação de glifos, abreviações e ligaturas).

Dessa economia de espaço surgiu o ampersand (&) que antes era a ligatura do e + t, mas com o passar do tempo ela se tornou quase uma letra ou uma pontuação.

Hoje em dia, como tudo é digital as ligaturas podem ser consideradas como um recurso visual, em alguns casos realmente são, mas não em todos. Por exemplo, a fonte escolhida para o livro Nova Espiritualidade (figura acima) a ligatura criaria uma fluidez que é quebrada pelo f que se encontra bruscamente com o i que fica com o ponto meio estranho. É um detalhe pequeno, mas como sabemos, a tipografia é feita de pequenos detalhes.

Exemplo tirado do fonts.com

Há casos em que a ligatura pode ser um belo recurso para embelezar o texto, como é mostrado na figura abaixo, tirado de uma versão de luxo do livro Hobbit de J. R. R. Tolkien. As ligaturas valorizam a escrita poética e descritiva do autor.

Mas além das ligaturas do f, as chamadas standard ligatures (ligaturas padrão), existem as discretionary ligatures (ligaturas descritivas) que são recursos estilísticos e estéticos. Hoje em dia são mais adequadas em títulos e em textos curtos que exigem um apelo visual diferenciado. Não são todas as fontes que possuem esses recursos e talvez por isso elas não estejam tão presentes, porém, com o advento da tecnologia opentype, muitos type designers gostam de brincar e adicionar um pouco mais de sabor às fontes.

Ligaturas da fonte Mrs Eaves de Suzana Licko. Imagem retirada do ilovetypography.com

E as combinações podem ir muito além, como se vê no exemplo abaixo.

Eklipse de Rafael Neder. Retirado do MyFonts.

A Eklipse, fonte para títulos desenhada por Rafael Neder, tem uma grande quantidade de ligaturas. Seu desenho garante várias combinações, e como é uma fonte para ser usada em grandes tamanhos, combinações inusitadas fazem que a fonte se torne muito mais rica, pois os recursos tecnológicos valorizam seu desenho.

Maryam de Ricardo Esteves. Retirado do myfonts.com

Numa fonte cursiva a necessidade de diferentes ligaturas fica muito claro, pois se a fonte deve simular a escrita manual, ela deve ter algumas alternativas que simulem junções características da caligrafia. Com o opentype algumas fontes fazem isso automaticamente, mas a Maryan, usada aqui como exemplo, as ligaturas são vendidas como uma fonte alternativa, que além das ligaturas, possui caracteres alternativos.