26 de junho de 2012

Sobre o consumo de fontes

Jürg Lehni, designer e programador, em um ensaio que analisa a evolução da tecnologia tipográfica e natureza digital das fontes, questiona a forma como fontes são vendidas e definidas no tempo digital.



Uma fonte não era uma ferramenta completa e independente em si, mas parte de um processo baseado em ferramentas o qual, sem essas, não seria possível. Partindo da sua natureza física na época [dos tipos móveis], é imaginável que fontes perseverariam como ferramentas. Ao mesmo tempo poderiam ser vistas como um trabalho artístico desenhado por um tipógrafo e executado por um puncionista*. Hoje, fontes digitais são legalmente definidas como software, outra vez a contrapartida digital de uma ferramenta. Isso tem vastas consequências para o modo como fontes são distribuídas e vendidas e no modo como type designers estão ganhando seu dinheiro, até porque os esquemas de licenseamento são similares aos achados em softwares; o Acordo Final da Licensa de Uso (EULA†) dá ao usuário o direito de instalá-las em um determinado número de computadores dentro de um mesmo domicílio ou escritório, o grau de uso de uma mesma fonte não tem impacto no preço, assim que o usuário comprou a licensa ele tem o direito de uso dentro dos limites definidos e pode usar a fonte como ferramenta do jeito que quiser, desde que não infrinja as regras do acordo.


Isso pode levar a situações absurdas, por exemplo, quando em algumas situações, um grande jornal poderá pagar a mesma quantia por uma fonte que é impressa em milhares ou até milhões de edições diárias do que um pequeno escritório de design gráfico que usa a fonte uma vez só para um único trabalho de um cliente. Os dois compraram o direito de usar a fonte como ferramenta para o que precisassem, e o trabalho criativo do tipo é deixado de lado.


Enquanto existem fundidoras que criaram acordos complicados para casos especiais como esse, o problema básico de uso desigual continua e é criticado por muitos type designers: o fato que o trabalho criativo não é levado em conta na definição como ferramenta, ignorando o fato que um tipo também é um trabalho artístico.


O ensaio é complementado com entrevistas bem interessantes com Erik Spiekermann, Peter Bilak e Dimitri Bruni. Na entrevista com Spiekermann, Lehni questiona como fontes são encaradas digitalmente e coloca o porquê das fontes serem vendidas da forma como são:


Claro que seria melhor para type designers e fundidoras, porque as licensas das fontes seriam contatadas baseado na distribuição da mídia em questão; mas quem controlaria isso? Quando rádios tocam música, eles listam cada música que foi tocada e mandam essas listas para associações que controlam esse uso. […] Como isso funcionaria no impresso? Talvez funcionaria pra livros e jornais, mas até aí isso ia requerer uma burocracia excessiva. Para ser justo, a quantidade de texto teria que ser contado precisamente, de outra forma o type designer cuja fonte é usada em um título receberia o mesmo valor que o type designer que vendeu a fonte para o texto das notícias do jornal, usada para diagramar milhões de caracteres por jornal. Com música, músicas mais longas pagam mais que músicas mais curtas, mas em rádio e TV normalmente só toca uma música de cada vez e assim, a quantidade é facilmente medida.


Mas se olharmos pra fontes embedadas em sites, poderíamos ter um jeito viável de cobrar licensas baseado na medida automatica do uso de fontes em uma página. […] A web oferece a possibilidade do registro e do cálculo de uso de fontes por visitantes, como usado por exemplo pelo Google como forma de administrar anúncios. Mas eu duvido que esses modelos terão sucesso no setor de type, sendo que fontes se degeneraram em uma mercadoria onipresente e barata. Eu, então, não tenho a expectativa que alguém esteja disposto a abandonar o modelo atual.