21 de agosto de 2012

Comentário sobre telas de baixa qualidade

Quando comecei a pensar sobre Elementar, sistema tipográfico de Gustavo Ferreira, para minha coluna no LOGOBR, logo me veio a mente que este é um projeto meio datado, pois afinal as telas tem ficado cada vez melhores, aos poucos, nós, designers, já podemos nos dar ao luxo de escolher uma Garamond ou uma Scala em suas versões digitais originais, talvez sem as devidas adaptações, para nossos sites e aplicativos digitais.

Mas isso se limita a Apple, que sozinha tem uma grande fatia do mercado, mas é questão de tempo — se é que já não é assim — pra que a fatia maior se divida em pequenos produtos de menor qualidade baseados em Android ou Windows Mobile com telas com menor resolução em com hardware de menor qualidade.

O ambiente de telas de baixa resolução ainda é regra deve se manter dessa forma ainda por uns 10 anos, senão mais. A Positivo já lançou um tablet com e-paper e os e-readers, liderados pelo Kindle, são uma realidade que se utilizam de fontes feitas para o ambiente impresso em aparelhos de leitura digital. Tirando a Nokia, que encomendou uma família tipográfica para seus aparelhos e identidade visual, grande parte das outras marcas insiste em usar fontes que já estão no mercado e que supostamente “funcionam” sem questionar ou ir atrás de melhores soluções tipográficas para seus aparelhos (a Apple, cujo líder se dizia super influenciado pela caligrafia, usa a Helvetica em todo o seu iOs e a Helvetica não serve para tamanhos pequenos em uma tela LCD, as letras são muito fechadas e largas e um iPhone ou iPod não tem uma tela muito grande para se dar ao luxo de uma fonte espaçosa como a Helvetica).

Voltando a Elementar, apesar de parecer que a gente caminha para um mundo HD, a regra ainda é o YouTube. Existem muitos aparelhos de alta definição mas nossa banda não permite tanta qualidade. Ambientes de baixa qualidade ainda são muito comuns e vão demorar um tempo pra deixar de existir, se é que vão deixar de existir algum dia.

O mundo do design comemora um macbook com tela HD e vai se iludindo esquecendo que a maior parte do público ainda vai usar um netbook ou um celular da Samsung com uma tela comum com 72 a 100 dpi.

13 de julho de 2012

O breve entusiasta

Chega o entusiasta como se tivesse descoberto o mundo e comenta sua nova radicalidade:

— Mano… descobri a fórmula!

— Que fórmula? diz o companheiro que sempre parece que não entende nada.

— A fórmula, velho! gesticula com seus braços a tomar o mundo. Vou usar só três famílias tipográficas! Pronto! Uma parte tensa de qualquer projeto gráfico feito por mim já está encaminhada! Só vou usar Helvetica, Caslon e Bodoni.


O companheiro olha pro entusiasta com cara de desinteressado. Volta a procurar o livro que estava procurando como se a afirmação dita anteriormente não fizesse nenhuma diferença. O entusiasta continua ali esperando algum tipo de reação e pro companheiro não ser completamente indeferente a nova radicalidade do entusiasta, diz:

— Puxa… — expressa o companheiro com uma sem-vergonha falsa animação — Mas qual Helvetica você vai usar?

— Como assim? pergunta o entusiasta completamente perdido com a questão.

— Então, já passamos de 2000, vivemos a era digital, ficou relativamente fácil desenhar novas fontes. A cada ano uma nova foundry decide trazer a sua nova, e revolucionária, Helvetica. A mais usada por aí, que vem em quase todos os computadores, é da Linotype, mas tem também uma versão da Font Bureau, uma releitura da Dalton Maag, e, dependendo do seu grau de informação, até a Arial pode ser uma Helvetica. Mais do que famílias tipográficas, essas famílias que você escolheu são, sozinhas, quase um estilo de desenho que vem sendo explorado exorbitadamente na tipografia digital. Esses nomes sozinhos não são uma decisão de projeto, entende?


O entusiasta olha meio boquiaberto pro companheiro tentando responder algo, obviamente não consegue.

O companheiro termina:

— Pensa aí; se precisar de ajuda me avisa.

26 de junho de 2012

Sobre o consumo de fontes

Jürg Lehni, designer e programador, em um ensaio que analisa a evolução da tecnologia tipográfica e natureza digital das fontes, questiona a forma como fontes são vendidas e definidas no tempo digital.



Uma fonte não era uma ferramenta completa e independente em si, mas parte de um processo baseado em ferramentas o qual, sem essas, não seria possível. Partindo da sua natureza física na época [dos tipos móveis], é imaginável que fontes perseverariam como ferramentas. Ao mesmo tempo poderiam ser vistas como um trabalho artístico desenhado por um tipógrafo e executado por um puncionista*. Hoje, fontes digitais são legalmente definidas como software, outra vez a contrapartida digital de uma ferramenta. Isso tem vastas consequências para o modo como fontes são distribuídas e vendidas e no modo como type designers estão ganhando seu dinheiro, até porque os esquemas de licenseamento são similares aos achados em softwares; o Acordo Final da Licensa de Uso (EULA†) dá ao usuário o direito de instalá-las em um determinado número de computadores dentro de um mesmo domicílio ou escritório, o grau de uso de uma mesma fonte não tem impacto no preço, assim que o usuário comprou a licensa ele tem o direito de uso dentro dos limites definidos e pode usar a fonte como ferramenta do jeito que quiser, desde que não infrinja as regras do acordo.


Isso pode levar a situações absurdas, por exemplo, quando em algumas situações, um grande jornal poderá pagar a mesma quantia por uma fonte que é impressa em milhares ou até milhões de edições diárias do que um pequeno escritório de design gráfico que usa a fonte uma vez só para um único trabalho de um cliente. Os dois compraram o direito de usar a fonte como ferramenta para o que precisassem, e o trabalho criativo do tipo é deixado de lado.


Enquanto existem fundidoras que criaram acordos complicados para casos especiais como esse, o problema básico de uso desigual continua e é criticado por muitos type designers: o fato que o trabalho criativo não é levado em conta na definição como ferramenta, ignorando o fato que um tipo também é um trabalho artístico.


O ensaio é complementado com entrevistas bem interessantes com Erik Spiekermann, Peter Bilak e Dimitri Bruni. Na entrevista com Spiekermann, Lehni questiona como fontes são encaradas digitalmente e coloca o porquê das fontes serem vendidas da forma como são:


Claro que seria melhor para type designers e fundidoras, porque as licensas das fontes seriam contatadas baseado na distribuição da mídia em questão; mas quem controlaria isso? Quando rádios tocam música, eles listam cada música que foi tocada e mandam essas listas para associações que controlam esse uso. […] Como isso funcionaria no impresso? Talvez funcionaria pra livros e jornais, mas até aí isso ia requerer uma burocracia excessiva. Para ser justo, a quantidade de texto teria que ser contado precisamente, de outra forma o type designer cuja fonte é usada em um título receberia o mesmo valor que o type designer que vendeu a fonte para o texto das notícias do jornal, usada para diagramar milhões de caracteres por jornal. Com música, músicas mais longas pagam mais que músicas mais curtas, mas em rádio e TV normalmente só toca uma música de cada vez e assim, a quantidade é facilmente medida.


Mas se olharmos pra fontes embedadas em sites, poderíamos ter um jeito viável de cobrar licensas baseado na medida automatica do uso de fontes em uma página. […] A web oferece a possibilidade do registro e do cálculo de uso de fontes por visitantes, como usado por exemplo pelo Google como forma de administrar anúncios. Mas eu duvido que esses modelos terão sucesso no setor de type, sendo que fontes se degeneraram em uma mercadoria onipresente e barata. Eu, então, não tenho a expectativa que alguém esteja disposto a abandonar o modelo atual.

11 de junho de 2012

Os perigos da Amazon

No que diz respeito a literatura e leitura, esse aumento da desumanização do espaço da informação aponta para a questão chave articulada pelo professor de estudos da informação Philip Agre: “Uma biblioteca digital é uma máquina ou uma instituição?” O que a Barnes & Noble* disse sobre o negócio original de venda de livros da Amazon é verdade na sua atual encarnação: Amazon não é uma loja de livros, mas sim um banco de dados, um vasto, desconhecido sistema, não muito diferente da Internet em si. E provavelmente é isso que o o ecosistema da Amazon e do Kindle melhor representam, uma Internet para os indiferentes; grande o bastante para aparecer imparcial e sem ameaça, controlada o bastante para não quebrar e não espantar os cavalos. Se o Kindle restringe seu conteúdo ao que é aprovado pela Amazon — e restringe mesmo — e se enclausura a experiência de leitura e reinvidica seus highlights e seus bookmarks † — e faz isso mesmo — é perdoável em troca do aparente acesso a todos os livros, agora, imediatamente e para sempre? Até onde estamos preparados para ter nossa experiência cultural mediado ou até controlado pela tecnologia? A resposta, a cada dia aponta mais, e o Kindle, para melhor ou para pior, é a ferramenta que nós escolhemos para negociar por nós.


Trecho do artigo From Books to Infrastructure, de James Bridle.


* Em 1997 a Barnes & Noble entrou com um processo contra a Amazon afirmando que [Amazon] não é uma loja de livros, é “falidora” de livros ([It] isn't a bookstore at all. It's a book broker).

† Dentro do Kindle você tem a opção de favoritar (bookmarks) e sublinhar (highlight) alguns trechos dos livros.

8 de junho de 2012

Uma singela homenagem a Ray Bradburry

A carta abaixo é de Ray Bradburry e foi traduzida pelo IMS do Letter of Notes. A carta fala do processo da pequena novela que inspiraria uma das obras primas de Bradburry, Farenheit 451 que explica a imagem desse post.

Bradburry morreu nessa quarta-feira, e esse post é uma singela homenagem.



15 de setembro de 2006


Prezada Shawna Thorup:


Fico feliz de saber que vocês estão celebrando o meu livro Fahrenheit 451. Acho que vocês vão gostar de saber como escrevi a primeira versão, que tinha 25 mil palavras e foi publicado em uma revista.


Eu precisava de um escritório e estava sem dinheiro para isso. Então, certo dia, eu estava caminhando pela U.C.L.A. e escutei alguém datilografando no porão da biblioteca. Descobri que havia uma sala de datilografia onde você podia alugar uma máquina de escrever por meia hora a dez centavos de dólar. Me mudei para a sala de datilografia junto com um bando de estudantes e um saco cheio de moedas – um total de US$ 9,80, dinheiro que gastei na criação da versão de 25 mil palavras de “O Bombeiro” em nove dias. Como pude escrever tantas palavras tão rapidamente? Foi por causa da biblioteca. Todos os meus amigos e pessoas queridas se encontravam nas estantes acima de mim, e berravam e gritavam para que eu fosse criativo. Então, subi e desci as escadas, procurando livros e citações para colocar em minha novela do “Bombeiro”. Vocês podem imaginar como foi emocionante escrever um livro sobre queima de livros na presença de centenas dos meus queridos nas estantes. Era a maneira perfeita de ser criativo; é isso o que uma biblioteca faz.


Espero que vocês gostem de ler o resultado de minha paixão. O livro ficou maior alguns anos depois, e se tornou popular, graças a Deus, entre muitas pessoas.
Desejo-lhes tudo de bom.

(assinatura)

22 de março de 2012

Tipografia é arte?

Tipografia é arte? Isso é como perguntar se fotografia é uma arte. Certamente existem fotógrafos e tipógrafos cujas ideias e técnicas elevam seu trabalho ao nível da arte. Mas em seu próprio cerne fotografia e tipografia se portam com uma função utilitária. O componente estético é separado. Sendo um tipógrafo efetivo é mais sobre habilidades do que bom gosto.

Matthew But­t­er­ick em seu texto O que é tipografia.
Não concordo com a explicação dele sobre o que é tipografia, porém esse parágrafo que fecha o texto traz uma questão muito interessante sobre o papel do tipógrafo e de qualquer profissional que trabalha com criatividade.

19 de março de 2012

Nazismo light

Uma das poucas coisas boas do capitalismo é que ele coopera para a diversidade, os diferentes e as diferenças se encontram e meio que se encontram por acaso, como se esse encontro fosse natural, as vezes até óbvio. Em contrapartida a essa diversidade surge um movimento de preservação social onde é melhor não se misturar as coisas. Esse movimento não é feito por anti-capitalistas ou comunistas comedores de criancinhas, é regido e planejado pelos maiores beneficiados do capitalismo, daqueles poucos escolhidos que costumamos chamar de maioria.

Disso surgem coisas como UPPs desnecessárias que ultrapassam o Rio de Janeiro, limpeza geral de bairros já estabelecidos e polícia em tudo quanto é lugar pra deixar a população bem segura. É aquele negócio, quero o fim da violência, desde que isso não custe nada pra mim, desde que eu não tenha que conviver com esses que supostamente geram a violência — as minorias. Existe até uma certa resistência pra que essa minorias não subam demais na escala social e se tornem meus vizinhos.

De certa forma, existe um modelo que é o ideal, ele tem suas variáveis, mas pouco muda dele se comparado com o ideal do führer alemão (se você não consegue enxergar esse modelo compare os galãs das novelas e dos filmes, compare o estereótipo dos grandes empresários do nosso tempo, dos banqueiros e daqueles homens que foram entrevistados no filme Inside Job, os homens que controlam a economia, os políticos do mundo afora, e por favor não se atenha as exceções, pra tudo existem exceções, é provável que o próprio führer seja uma dessas exceções, e pra se fazer um modelo de algo você não conta as exceções, você faz o modelo!). Como o próprio nome já diz, é o modelo que deve ser seguido e todos devem se adequar a ele, seja por maquiagem, alisamento e escova, vestimenta, plástica e as vezes até despigmentação.

A diferença entre o agora e como foi no passado, e é essa diferença que torna esse nazismo capitalista light, é que não existem mais campos de concentração; na verdade trocamos eles por guetos 2.0 onde essas pessoas só saem para servir a maioria (se bem que entrar atirando pra matar em uma favela ou em uma cadeia, ou expulsar as pessoas de onde elas moram há uns 10 anos só porque quando essas pessoas se mudaram praquele lugar esse lugar pertencia a outra pessoa não me parece menos cruel que um campo de concentração, mas como sempre, quem sou eu…). No fim das contas existe essa força invisível que faz de tudo pra manter as coisas como estão pra que ninguém invente de trazer mudanças — mesmo que, muito provavelmente, essas mudanças sejam boas para todos.